(Continuação)
Esta informação, conjugada com os conhecimentos fornecidos por uma carta da dita emancipação, ainda existente numa casa particular, dão nos a certeza de que o José Domingues da Graça era oriundo de Calvão e de que nos seus passeios pastoris, começou de requestar a neta do Gramata, que, embora residente em Ílhavo, pelo nome parece ter sido da Gafanha. Nada mais natural. A moçoila que nasceu em Ílhavo, quer tivesse passado ali toda a sua ridente juventude, quer se tivesse passado só ou na companhia de seus pais para o convívio de seus avós paternos e talvez avô materno, residentes na Gafanha, e, ferida no coração, não pode resistir, antes aceitou amorosamente os gentis galanteios do enamorado pastorinho de Calvão.
Ignoramos a data em que junto ao altar se ligaram pelos sagrados do matrimónio, e supomos que, após ele, vieram definitivamente para a Gafanha, onde ela até à morte foi muito considerada, não só pelos naturais, mas também por pessoas categorizadas, especialmente de Aveiro, como José Estêvão, Capitão Mesquita, João Carlos, José e João Roque, João Alma Santa e outros que vinham dali ou da Costa Nova, em tardes amenas, cavaquear e fazer sala, à sombra acolhedora de uma parreira que bracejava sobre o recinto da sua morada ou pátio os seus ramos de uvas refrigerantes. Era ali, na sua casa, de pouca altura, mas de construção sólida (ainda se guarda carinhosamente uma fracção da parede de um dos compartimentos) que a sua voz pronunciadamente varonil era escutada com interesse pelos fidalgos, que respeitosamente procuravam convivência e conversação.
E a Joana Gramata, mulher do povo, robusta, bastante barbada, ingénua e boa, tinha o feliz condão de atrair respeitos e considerações de homens ilustres, não se furtando ao seu convívio o próprio Tribuno português. E atrás da simpatia pessoal corriam valiosos presentes de louças e outros objectos, que eram garantia segura de quanto era estimada. Ainda hoje existem na igreja paroquial as imagens do Sagrado Coração de Maria e de S. Tomé, que Pedro António Marques, por alcunha o Pedro Serrano, proprietário de uma fábrica de louça de Aveiro, lhe ofereceu e que ela expôs ao culto na sua capela particular.
Fumista emérita, com o hábito acentuadamente inveterado do tabaco, nunca em casa lhe faltava também as ofertas de charutos que ela desvanecidamente saboreava de olhos arregalados, através das espirais do fumo, que em rolos se evolavam, como anjos alados que a houvessem abandonado num supremo êxtase de delicioso gozar. Vivia feliz esta mulher, acarinhada de seu amrido e filhos que se enlevavam na contemplação de tão boa esposa e carinhosa mãe, que eles viam estimada dos vizinhos e considerada por gente fina.
(Continua)
In "Monografia da Gafanha" do Padre João Vieira Rezende.
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