sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Pesca do bacalhau à linha (III)

Nestes dias de mau tempo e de vagas alterosas na nossa costa, convém recordar a difícil vida que os nossos conterrâneos levavam nos mares da Gronelândia, para ganharem o seu pão de cada dia. Continuamos a divulgar este conjunto de filmes excepcionais que são um hino à coragem dos Gafanhões.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Quaresma

Estamos em tempo de Quaresma. Vamos ver o que nos diz a Sr.ª Professora Maria Teresa Reigota, no Seu livro “Gafanha…o que ainda vi, ouvi e recordo”.
Era o período compreendido entre a Quarta-feira de Cinzas e o Domingo de Páscoa.
O seu simbolismo refere os quarenta dias de jejum que Jesus passou no deserto. Por isso logo na Quarta-feira de Cinzas se guardava jejum (comer menos) e abstinência (não comer carne).
Neste dia o povo da Gafanha ia a Aveiro, nas suas bateiras e barcos moliceiros e mercantel, mais tarde a pé, de bicicleta ou na “camioneta da carreira”, assistir à tradicional Procissão das Cinzas. Algumas pessoas iam logo de manhã para assistirem à cerimónia da imposição das Cinzas e bênção dos Santos Óleos, presidida sempre pelo Senhor Bispo da Diocese, ficando para a tarde, participando na procissão. Era majestosa e imponente!
Um dos andores que compunham a procissão era o de santa Clara. Lembro-me bem que, quando alguma criança tinha problemas na fala, como gaguez, ou começar tardiamente a falar com dificuldades de prenuncia, os pais faziam-na passar por baixo deste andor, pedindo a santa Clara, com muita fé, que desatasse a língua do seu filho ou filha, aclarando-lhe a fala. Não esqueço a tradição de se comprarem figos passados.
Após os três dias de folia do Carnaval, começava agora um tempo de penitência e sacrifícios que os gafanhões viviam com toda a intensidade da sua fé. Para não terem de jejuar e de deixar de comer carne todos os dias, iam ao Senhor Padre comprar a “bula” e assim, ficavam dispensados, jejuando e fazendo abstinência na Quarta-feira de Cinzas, todas as sextas-feiras da Quaresma e Quinta-feira santa, Sexta-feira santa e Sábado da Aleluia. Se não tivessem peixe comiam batatas com cebola frita e broa, mas pecar é que nunca.
No quinto domingo da Quaresma fazia-se e faz-se ainda, a Procissão dos Passos, em que simbolicamente, Maria Mãe de Jesus se encontra frente a frente com Seu Amado Filho, carregando a Cruz a caminho do Calvário – é o Momento do Encontro. Também aqui o povo da Gafanha marcava presença se nada houvesse que o impedisse.
Em Domingo de Ramos, que antecede o Domingo de Páscoa, não faltava nas igrejas das suas freguesias nenhuma família gafanhoa ou quem a representasse com seu ramo de alecrim e, às vezes, também oliveira, para ser benzido e religiosamente guardado até ao próximo ano. Era deste ramo que tiravam um bocadinho de alecrim que queimavam em dias de trovoada.


Começava a semana santa, com Quinta-feira de Endoenças, Sexta-feira da Paixão e Morte de Jesus, Sábado da Aleluia e Domingo da Ressurreição.
Logo na Quinta-feira santa os lavradores já não trabalhavam nos campos, só apanhavam erva para o gado ou davam-lhe palha; à noite, iam à igreja assistir às cerimónias do Lava-pés. Na Sexta-feira Santa procediam do mesmo modo e, à noite, iam participar na Devoção da Via-Sacra – era um dia triste, porque o Senhor estava morto.
Para fazerem os folares tinham o sábado da aleluia. Algumas pessoas amassavam, depois de chegarem, já noite dentro, da Via-Sacra. Deixavam a massa a levedar e no dia seguinte, manhã cedo, coziam os folares para casa e para ofertarem aos afilhados. Às onze horas da noite, assistiam ao Santo Oficio da Missa e pela meia-noite acontecia a Aleluia, descobrindo os Santos que tinham estado cobertos com panos pretos e tocando campainhas.
No Domingo de Páscoa era a alegria da Ressurreição do Senhor, era dia dos afilhados irem a casa dos seus padrinhos pedir-lhes a bênção e buscar ou agradecer o folar.
Não esqueço que durante a Quaresma o povo da Gafanha sentia uma grande obrigação que cumpria com devoção e crença – era a “desobriga” que consistia em confessar-se e comungar pelo menos uma vez cada ano. Eram e são respectivamente, o segundo e terceiro mandamentos da santa Madre Igreja, que este povo cumpria escrupulosamente, mesmo que se confessasse e comungasse mais vezes pelo ano fora.

As fotografias de Aveiro pertencem ao álbum fotográfico de Carneiro da Silva, referentes ao ano de 1922. De salientar que atendendo a que a Quarta-feira de Cinzas, normalmente é muito próximo do mês de Março, sobre o lado esquerdo da foto dos moliceiros, já se vêm as barraquinhas para a Feira de Março. Outro pormenor, é a quantidade de moliceiros existentes na Ria, mostrando que realmente participava muita gente nesta procissão.

Boas leituras
Rubem da rocha


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A pesca do bacalhau nos mares da Gronelândia (parte II)

No dia 15, porém, pelas sete horas da manhã, passou à fala um vapor inglês, cujo comandante, depois de haver mandado parar as máquinas, forneceu algumas informações, muito úteis, a respeito dos mares da Gronelândia e sobre as condições de pesca nos seus bancos, chegando mesmo a oferecer algumas cartas daquela região.
Os tripulantes do «Santa Joana», até aí tão receosos e cépticos, sentem que uma grande alegria lhes invade os corações.
Mas, pela tarde desse mesmo dia, são avistadas quatro enormes ilhas de gelo, que, novamente, a todos causam grandes preocupações.
No entanto, a viagem prossegue, com a máxima cautela, sempre com vigias atentos, a perscrutar o horizonte, para que o navio se possa desviar de qualquer icebergue ou se não enfie para dentro de alguma zona gelada e, no dia seguinte, pelas 10 horas, segundo reza o «Diário» avista-se terra – a ilha da Gronelândia – toda coberta de gelo.
«Pelas 18 horas, sondámos em trinta braças, continuando a navegar, com tempo muito bom e claro. Navegámos com tempo bonançoso e terra à vista, ao rumo NE 4N, até que, pelas três horas, como houvesse calma e muito bacalhau à borda, ancorámos na posição Lat. 63.40 N e Long. 53.00 W – Banco Fillas – com 50 braças de arame e 30 de corrente».
O «Santa Joana» manteve-se neste «BANCO» cerca de 21 dias, sempre com bom tempo e fazendo pescas abundantes.
Durante este período, a tripulação admirou-se bastante, não apenas com o facto de ser sempre de dia, chegando mesmo a ver-se Sol à meia noite, nos fins de Julho, mas também com os lindíssimos e variados aspectos que lhe oferecia a enorme quantidade de gelo, que, em grandes blocos, se estendia junto à costa e ainda com a extraordinária porção de aves marinhas – cagarras, painhos e pombaletes – cujos enormes bandos, ora pareciam nuvens do céu, ora cobriam o mar, onde se deixavam apanhar com facilidade. Também lhe causou certo espanto o extraordinário número de barcos a motor – palhabotes de dois e três mastros – pertencentes a países nórdicos e ainda os muitos e grandes veleiros franceses – Iugres e patachos pescando ao troley, que sulcavam aqueles mares, tão calmos, frios e brilhantes.
O Capitão dum desses «Trolers» deu a informação de que não havia ventos contra a praia, pois que os rumos predominantes eram o sudoeste e o nordeste.
Nestas circunstâncias, pôde o «Santa Joana» aproximar-se da costa, que era muito feia, alta e escarpada, e pescar aí grandes quantidades de bacalhau.
Foi nesta altura que muitos esquimós, ainda jovens, e vestidos com os seus trajes característicos, visitaram o navio, trocando peles de foca, de arminho, de urso e de raposa branca por café, chá e aguardente.
Estes jovens – rapazes e raparigas – que, com muita arte e ligeireza, se dedicavam também à faina da pesca, eram tripulantes dumas pequenas lanchas que, todos os dias, saíam dos estreitos e perigosos portos da Gronelândia.
Apesar de tudo, no dia 5 de Agosto, como o peixe começasse a escassear, resolveu o Capitão procurar outro pesqueiro, mais ao norte, onde, em menos tempo, pudesse completar o carregamento.
«Aos seis dias do mês de Agosto de mil novecentos e trinta e um, pelas seis horas, começámos a suspender a amarra e, pelas sete horas, fizemo-nos à vela, com todo o pano largo, ao rumo NNE com vento SW e tempo de chuva e nevoeiro.
No dia 7 pelas três horas, ancorou o navio no banco «Lille Helefisk» na seguinte posição: lat. 65.00 N e long. 53.00 W».
Arriados os dóris, em pouco tempo estes regressaram ao lugre, completamente carregados e, num abrir e fechar de olhos, todo o convés ficou inundado de peixe.
Sob o vigilante e atento olhar do capitão, começa, imediatamente, o árduo e exaustivo trabalho da escala e da salga, que se prolonga por muitas horas.
O esforço que os homens despendem não tem limites, mas a disposição é boa, porque compreendem que uma nova era de prosperidade se vai abrir para a arrojada e, até ali, tão desprotegida classe dos pescadores bacalhoeiros.
E a campanha prolonga-se até ao dia seis de Setembro, sempre com os mesmos perigos, os mesmos trabalhos, as mesmas saudades.
Todavia, no dia seguinte, quando todas as panas estão atolhadas e no porão não cabe mais nada; quando já não há outro sítio onde salgar bacalhau; quando o convés está debaixo de água e o navio não tem posse para mais carga, o Capitão, depois de tudo bem acautelado – as escotilhas devidamente cobertas e pregadas e os botes piados com segurança – manda içar, bem a tope, no mastro da mesena, a bandeira nacional e escreve no «Diário de Bordo»:
«Aos sete dias do mês de Setembro de mil novecentos e trinta e um, estando o lugre português «Santa Joana» ancorado no banco Lille Hellefisk, por ter completado o seu carregamento de bacalhau, foi dada por finda a campanha de pesca».
Pelas seis horas o Capitão mandou virar a amarra, para seguir viagem para Portugal, com destino a Aveiro.
Pelas sete horas fizemo-nos de vela, com todo o pano largo, ao rumo SE4 1/2 S.
«Deus nos leve a salvamento.»
Quando, nos princípios de Outubro, os quatro lugres, que pescaram nos bancos da Gronelândia, chegaram a Portugal e demandaram os seus portos de armamento, houve grande alvoroço e muito regozijo entre as classes ligadas às actividades piscatórias.
É que, de todos os veleiros que, nesse ano de 1931, foram à pesca do bacalhau, apenas aqueles quatro – três deles pertencentes à Empresa de Pesca de Aveiro e o outro à empresa de Pesca de Viana do Castelo, conseguiram carregamentos completos.
Em face destes resultados tão auspiciosos, imediatamente os restantes armadores resolveram mandar preparar os seus navios, para que a próxima campanha fosse exercida nos mares frios de Gronelândia.
Daí em diante, os carregamentos foram sempre mais ou menos compensadores, o que fez com que esta indústria – agora também orientada e grandemente auxiliada pelo Grémio dos Armadores – se tornasse maior, mais rica e mais progressiva.
É bom pois, que não sejam esquecidos aqueles quatro arrojados capitães e suas destemidas tripulações, bem como os armadores dos referidos navios, particularmente o Gerente da Empresa de Pesca de Aveiro, senhor Egas da Silva Salgueiro que, com a sua grande visão e iniciativa, muito contribuiu para o incremento e prosperidade da Indústria Bacalhoeira.
A pesca do Bacalhau nos mares da Gronelândia
Pelo Dr. Amadeu Eurípedes Cachim, Director da Escola Comercial e Industrial de Aveiro
Amadeu Eurípedes Cachim - In:"AVEIRO E O SEU DISTRITO", nº 4, 1967, pp.29-34

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Apontamentos para um trabalho sobre a paisagem de Aveiro

Nas minhas pesquisas pela Internet descobri um artigo muito interessante, escrito em Junho de 1968 e publicado no nº 5 da revista "Aveiro e o seu Distrito", uma publicação semestral da Junta Distrital de Aveiro. É da autoria do Dr. Frederico de Moura e refere alguns aspectos da paisagem de Aveiro e também das Gafanhas.
"Quem surriba chão de areia não encontra onde enterrar raízes de esperança e quem irriga duna virgem sabe que mija numa peneira! Quem lança a semente num ventre que é maninho não pode ter esperanças de fecundação. E, por isso, o Gafanhão, antes de cultivar a lomba, teve de corrigir-lhe a esterelidade servindo-se do Rio que lhe passa à ilharga, procurando nele a nata com que amamentou a semente que deixou cair, amorosamente, naquele chão danado. E humanizou a duna..."
Pode ser lido aqui.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

1º Registo de Baptismo da Gafanha da Nazaré

Aos onze dias do mez de Setembro do anno de mil nove centos e dez, na capella da calle da Villa d’este logar da Gafanha e freguesia de Nossa Senhora de Nazareth, do mesmo logar servindo provisoriamente de Egreja parochial da freguesia de Nossa Senhora de Nazareth, Concelho d’Ilhavo, Diocese de Coimbra, baptisei solenemente um individuo do sexo feminino a quem dei o nome de Alexandrina, que nasceu n’esta freguesia ás dez horas da noite do dia vinte e seis d’agosto próximo passado, filha legitima de Domingos Ferreira e de Joanna de Jesus , jornaleiros naturaes d’esta freguesia e nella residentes e recebidos na freguesia d’Ilhavo, neta paterna de Manuel Ferreira e de Maria d’Oliveira e materna de Jacintto Sarabando e de Rosa de Jesus. Foram padrinhos que sei serem os próprios António Cova solteiro, jornaleiro e Maria de Jesus , casada, creada de servir, todos d’esta freguesia. E para constar lavrei em duplicado este assento que depois de lido e conferido perante os padrinhos , não o assignam comigo por não saberem escrever.
O Enconmendado João Ferreira Sardo
Transcrição, para uma melhor leitura, do 1º registo de baptismo na paroquia da Gafanha da Nazaré.
Boas leituras
Rubem da Rocha

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O Carnaval ou Entrudo na Gafanha da Nazaré

Nesta época que se aproxima de Carnaval ou Entrudo como diziam os nossos avós, transcrevo um pequeno texto da autoria da Sr.ª Professora Maria Teresa Filipe Reigota publicado no seu livro com o título “Gafanha…O que ainda vi, ouvi e recordo”.
Na Gafanha, quando o povo se referia ao Carnaval, dizia sempre “Entrudo”.
Eram os três dias que precediam a quarta-feira de Cinzas, começo da Quaresma: Domingo Gordo, Segunda e Terça-feira do Entrudo. Nestes dias faziam-se muitas brincadeiras, sem ferir ninguém.
Muitas pessoas disfarçavam-se vestindo roupas andrajosas, todas rotas, até esfarrapadas, que cobriam todo o corpo. O rosto era tapado com uma máscara “carantona”, feita de um bocado de pano velho, ou de papel, ou mesmo de serapelheira, onde tinham aberto o buraco para os olhos, para o nariz e para a boca. Na cabeça colocava-se um chapéu, o mais disforme possível, e as mãos cobriam-se com luvas ou até se pintavam com carvão – eram os “entrudeiros”.
Não tinham a preocupação de estar bem vestidos, representando uma ou outra personagem, mas em contrapartida tudo faziam para não serem reconhecidos. Iam por toda a Gafanha, assustando umas pessoas, brincando com outras, com caminhar diferente do seu habitual, fazendo-se de velhinhos agarrados a uma bengala ou a um pau de vassoura, manquejando, sei lá! Era o que lhes vinha à cabeça. Ao falar distorciam a voz, para nem isso dar a possibilidade de serem reconhecidos, por vezes até gaguejavam.
Batiam à porta de alguém e era-lhes servido um copo de tinto, davam dois ou três dedos de conversa, muitas vezes provocada pelos donos da casa para tentarem reconhecer o entrudeiro, mas sempre sem conseguirem. Prosseguiam o caminho, fazendo várias tropelias, daí aqueles ditos populares:
“É Entrudo vale tudo.”
“É Carnaval ninguém leva a mal.”
Recordo de no meu tempo de criança e jovem se fazerem as “cegadas”. Eram como que um teatro de rua, que satirizava algum acontecimento local que tivesse dado brado na terra, até mesmo as discussões e quezílias por causa das valas, dos caminhos, etc.…
Quase sempre estes grupos vinham dos lados da vila de Ílhavo, já disfarçados, e assentavam arraial onde eles entendiam que se juntava mais gente para apreciar o seu, chamemos-lhe, espectáculo.
Os gafanhões assistiam e gostavam de ver, comentando depois quem teria sido o ou a satirizada e, por um ou outro detalhe, quantas vezes se descobria.
Naqueles três dias havia que folgar, esquecer um pouco as mágoas. Curiosamente, os entrudeiros até conseguiam espalhar um pouco da sua, por vezes ruidosa, alegria, ou do seu passar sisudo e quieto que era motivo de chacota, pelo menos para a pequenada que se metia com eles. Ameaçavam os pequenos com a sua bengala ou com o seu varapau ou cajado, mas nunca lhes tocavam, era engraçado!
Actualmente nada disto se vê.

Eu, que sou um pouco mais novo que a autora, também me lembro de muitos grupos que passavam disfarçados, pelas principais ruas da Gafanha, com roupas em farrapos, que quase era impossível reconhecer as pessoas que as vestiam. Hoje, com a desconfiança que existe, já não achamos assim tanta piada com essas brincadeiras que se faziam, mas é bom recordar.
Boas leituras
Rubem da Rocha

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A pesca do bacalhau nos mares da Gronelândia (parte 1)

PRIMEIRA VIAGEM
Há já muitos e muitos anos, que, na época própria, airosos veleiros portugueses atravessavam o Atlântico, a fim de, nos bancos da Terra Nova, praticarem a pesca à linha.
Mas o peixe começou a escassear naquelas paragens e era necessário procurar outros bancos, onde houvesse abundância de bacalhau, para que os carregamentos dos lugres pudessem compensar as enormes despesas feitas pelos armadores.
Quase todas as empresas se encontravam arruinadas e esta indústria, com mais dois ou três anos, maus, terminaria toda a sua actividade.
Nestes apuros, em 1930, um homem de Ílhavo, Capitão do lugre Santa Mafalda, tentou demandar os mares da Gronelândia, onde se dizia haver muito bacalhau.
Mas, porque se não tinha munido de todas as cartas daquela região, regressou à Terra Nova, depois de haver sofrido as inclemências do frio, nos mares gelados do estreito de Davies.
Estava, no entanto, lançada a ideia.
No ano seguinte, quatro navios, «Santa Joana», «Santa Mafalda», «Santa Isabel» e Santa Luzia», comandados respectivamente pelos Capitães João Ventura da Cruz, João Pereira Cajeira, Manuel dos Santos Labrincha e Aquiles Gonçalves Bilelo, todos de Ílhavo, depois de permanecerem nos bancos da Terra Nova, durante cerca de um mês, rumaram aos mares da Gronelândia, onde encontraram grande fartura de bacalhau.

- Alta madrugada, estrelas ainda no céu, os da «companha» são acordados por uma voz rouca e forte que, da boca do rancho, exclama, seja Louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo: são quatro horas, vamos arriar.
Ainda estremunhados, os pescadores saltam dos beliches e enfiam a roupa de oleado e as botas de água. Engolido à pressa o café, sobem, a correr, para o convés.
Então os dóris, munidos do estrafego, da agulha de marear e da isca, são imediatamente arriados pelos teques e afastam-se do navio.
A remos ou à vela, lá vão eles para o lejo, à procura dum bom espalco, onde a trabalhosa e enervante faina da pesca possa ser compensadora.
Mas, como nos dias anteriores, o bacalhau não aparece.
À tardinha, depois de muita procura, todos regressam ao lugre, uns quase vazios e outros com peixe à sarreta.
A bordo é uma tristeza! Já passou um mês e ainda não se pescaram trezentos quintais.
De noite, aquela longa noite, em que nada se ouvia a não ser os gemidos monótonos produzidos pela oscilação lenta do navio e o tic-tac do relógio de cobre, pendurado na antepala, por baixo do alboi, o Capitão não dormia.

Primeiramente, sentado na loca da Câmara, que um candeeiro de suspensão iluminava, com a sua luz amarelada e vacilante, falara com o piloto e com o contramestre; mas agora, no seu camarote, muito sozinho, como não conciliava o sono, pensava, pensava sempre.
Aos louvados, já ele estava no convés, sem pregado olho.
Reuniu então toda a companha:
- Rapazes: aqui não fazemos nada.
É uma desgraça para nós e para os patrões!
Dizem que lá ao Norte, na Gronelândia, há muita fartura de peixe.
Quereis ir até lá?
Os pescadores, receosos, entreolharam-se e nada disseram.
Mas, passado aquele momento de indecisão, um dos mais velhos quebrou o silêncio: o senhor Capitão tem mulher e filhos, como nós.
Leve-nos, portanto, para onde quiser, pois temos a certeza de que vamos para bem.
Leve-nos para qualquer sítio, onde haja bacalhau, porque foi para o pescar que deixámos, lá longe e com tantas saudades, as nossas terras e as nossas famílias.

Surgiu então no Diário de bordo, que tenho na minha frente, a seguinte passagem:
«Aos dois dias do mês de Julho de 1931, estando o lugre «Santa Joana» ancorado na Virgin Rocks, a E do Main Ledg, como não houvesse peixe suficiente para o carregamento do navio, resolveu o Capitão suspender a amarra e seguir viagem para os bancos da Gronelândia.
Pelas 18,30 horas, começou-se a virar a amarra e, pelas 19 horas, fizemo-nos de vela ao rumo NE 4N, com vento W e todo o pano largo.
Juntos na Virgin Rocks estavam os seguintes lugres portugueses: Santa Isabel, Hostense e Cruz de Malta.
Navegámos com vento W regular e nevoeiro cerrado, não se vendo os navios, quando partimos».
A viagem, que demorou treze dias, foi toda feita com tempo irregular. Algumas vezes havia vento muito fresco, com aguaceiros de neve e mar bastante agitado; noutras ocasiões, apenas se fazia sentir uma leve
aragem, que mal fazia deslocar o navio, ficando este quase desgovernado, quando, pela tardinha, o vento acal­mava por completo.
Assim se foi singrando, pouco a pouco, por águas desconhecidas e muito frias, que eram olhadas com des­confiança e um certo temor.
(Continua)

A pesca do Bacalhau nos mares da Gronelândia

Pelo Dr. Amadeu Eurípides Cachim, Director da Escola Industrial e Comercial de Aveiro

Amadeu Eurípides Cachim - In: "AVEIRO E O SEU DISTRITO", N.º 4, 1967, pp. 29-34

Pesca do bacalhau à linha (II)

Continuamos a exibir o documentário sobre a vida a bordo do lugre "José Alberto" na sua viagem aos Grandes Bancos da Terra Nova. Vida difícil e perigosa que os nossos antepassados sentiram na pele.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Início da nova época


Os elementos do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré vão recomeçar os ensaios de preparação para a nova época de folclore que se avizinha. Será no dia 20 de Fevereiro, sábado, pelas 21:30.

Mais um ano de muito trabalho nos espera, com actuações por esse país fora e com a organização de três Festivais de Folclore, bem como a participação no Festival do Bacalhau. Apesar disso, todos estão cheios de entusiasmo e motivação, e com vontade de dar o que têm de melhor para a dignificação do Grupo Etnográfico e do folclore que representamos.


Nota: Em breve daremos notícias sobre os locais aonde nos deslocaremos.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails