quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

BOM ANO NOVO

Um Bom Ano de 2010, repleto de bençãos, paz, alegria, amor e acima de tudo muita solidariedadade com os mais desfavorecidos.
São os votos de todos os elementos do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré para todos os seus amigos e conhecidos.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Federação do Folclore Português reune em Assembleia (II)


Conselheiros no terreno
Os Conselheiros Técnicos saltam de imediato para o terreno de visita aos grupos federados, aferindo o trabalho que estão a desenvolver e averiguando da necessidade de ajuda na correcção de eventuais desacertos de representação. A meta está no final de 2010, quando todo o trabalho já deve estar concluído. A partir de então, todos os grupos federados terão de afinar pelo mesmo diapasão: o rigor na representação.
A luz vermelha pode acender-se para alguns grupos que teimam em oferecer um trabalho reconhecidamente fraco, sem bases de uma acertada representação tradicional. Um defeito que, em muitos casos, vem de longa data e que nunca foi corrigido. Para outros, a luz amarela constituirá um pré-aviso para emendar pequenos pormenores. Mas também a luz verde vai decerto fulgir para bons trabalhos.
A acção de reorganização do universo folclórico federado que a Federação está a implementar, será uma derradeira tentativa para eliminar os graves erros da figuração tradicional que maculam o trabalho de muitos grupos. “Queremos que os grupos ofereçam uma efectiva qualidade, de forma a não levarem ao engano as organizações de Festivais ou de outros espectáculos”, apela o presidente da Federação, Fernando Ferreira.
Sinopse atrapalha
Numa das salas, foi particularmente discutido o termo “sinopse”, incerto no ponto 4 do guião e que diz respeito às apresentações temáticas. “O que é isso de sinopse? Nunca ouvi falar nessa palavra!”. O termo terá assustado um conselheiro como a outros confundiu. “É preciso que utilizemos palavras simples e que o comum dos mortais entenda. Só uma minoria de populares sabe o que é uma sinopse”, intercedeu o Insp. Lopes Pires, propondo a substituição do termo.

Itens do guião do Plano de Melhoria submetido à aprovação da assembleia de conselheiros
Caracterização Etnográfica da Região - Contextos geográficos, sociais, económicos, religiosos. Eventos históricos relevantes. Caracterização fundamentada dos limites temporais da representação.
Recolhas – Sobre o património material e imaterial que completa a etnografia da região, dos trajes à musica e às danças, como jogos, instrumentos, musicas, literatura oral, rituais religiosos, etc.
Apresentações públicas – Composição do grupo, reportório, trajes e representações temáticas.
Iniciativas de divulgação e apresentação – Calendário anual de iniciativas periódicas com fundamento etnográfico, mostras permanentes ou eventuais, publicações e gravações.
Evolução histórica – Registo histórico dos corpos sociais, eventos e actividade relevante no passado.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Vida e costumes dos pescadores (parte IV)

O trajo do Pescador caracteriza-se pelo uso de camisa de lã de padrão axadrezado e variável na cor; trozes ou ceroulas, de tipo e qualidade igual, mas geralmente de tons mais claros do que aquela, e, na alternativa, manaia branca ou crua, espécie de bragas em pano de algodão, cinta ou faixa, preta, de lã, franjada nas extremidades e, finalmente, barrete ou carapuça preta em malha de lã com borla do mesmo na extremidade.
Os trozes são de amarrar aos tornozelos mas, habitualmente, usam-nos arregaçados por altura do joelho. A manaia é usada especialmente no Verão, e só no mar.
De Inverno acrescentam o trajo com o gabão. Quando assim é, costumam arregaçar os trozes até à coxa e enrodilhar o gabão até à mesma altura, preso pela cinta, de forma a deixar-lhes livre o movimento das pernas.
O custo destas peças de vestuário são os seguintes; camisa 32 escudos, trozes 64, manaia 25, cinta e barrete 15 cada peça (1).
O trajo da vareira compõe-se de blusa de algodão, em tons claros e geralmente bordada ou lavrada; saia da mesma qualidade, de diferente cor e padrão em estamparia; avental da mesma qualidade, mas geralmente em contraste de cor com a peça antecedente; algibeira de pano preto de lã, debruada a galão da mesma qualidade, atada pela altura das ancas, em volta destas por debaixo do avental, com fita preta; cinta ou faixa, igual à do pescador, xaile de lã, de padrões matizados; lenço da mesma qualidade e género, dobrado em triângulo e colocado sobre o chapelinho, este, é geralmente em feltro preto com aba bastante estreita debruado de fita de veludo preto e, em volta da copa muito baixa, uma fita de seda também preta que abrange a sua altura e remata com um pequeno laço no lado direito; a completar o trajo chinelas pretas, lisas, de cabedal envernizado, e completa ausência de meias.
No Inverno as peças de algodão são substituídas por outras de lã, de cor lisa; xaile mais espesso, igualmente liso; e usam meias de lã em cores claras, brancas de preferência, sem guarnição alguma.
Relativamente ao seu custo registam-se hoje os preços que seguem: blusa 17 escudos, saia 14,50, avental 14, algibeira 6.5, cinta 15, xaile 100, lenço 60, chapelinho 40, chinelas 100, blusa de Inverno 32, saia 30.5, xaile 200 e meias 12 (2).
Sempre que o marido embarca para a pesca em terras longínquas ou mesmo em busca de outros horizontes na miragem de economia mais ampla, costuma a vareira substituir o trajo por outro semelhante mas de cores escuras, aquela que melhor exprime a sua dor de ausência. E se no decurso do tempo o mar já não volta a traze-lo, como tanta vez acontece, enverga então o trajo negro que não volta mais a trocar pela cor.
Expressiva rubrica na psicologia admirável da gente da Beira-Mar.
(1) Em 1940: camisa 22.5, trozes 23.5, manaia 4.5 e 5. Tanto a cinta como o barrete; verifica-se assim um agravamento entre 40% a 200 % sobre o custo de então.
(2) Eram em 1940: blusa 8.5, saia 6.5, avental 6.5, algibeira 2.8, cinta 5, xaile 42, lenço 25, chapelinho 16, chinelas 45, blusa de Inverno 17, saia 15, meias 6; oscila portanto entre 100% a 200% mais, o seu custo actual.

FIM
Artigo publicado no Livro do XVIII Festival realizado em 6 de Julho de 2002.

sábado, 19 de dezembro de 2009

O linguajar dos gafanhões (parte V)

E este quadro do Padre Resende, duma riqueza tão ingénua, quanto encantadora, em que dois irmãos falam de uma irmã e do seu namorado. Ouçamo-los, sem tradução, para não perturbar a poesia:
“ — Atão Manele, a nocha M’ria deu-t’oje um quinau, hein?! ... Olha qu’ela quer butar fegura ó pé do Zé B’china, que acolá arranca mulicho como moiro. Cando anda consumida câ bida nem ‘scansa.
— Olha cá, F’cico, a nocha quechopa, nu é p’rá gabar, mas val’ mais có Zé B’china, o namurado. Ó pé dele anda sempre toda concha!
Em dois tempos chegó dia grande. Ouvi-les umas palavrinhas! ... No dia da festa da Chanta, verás que ‘tão casadinhos!...
— Chá me dixeram co sôr Prior deu os banhos na nossa ingreja de Bagos.
— E tamém ela deu ali um banho na auga do rio!
— Nu sê. Ela é uma medalha de rapariga. Olha cá, a cachopa val canto pesa. Nu é só pr’àpanhar mulicho. Nas rasgatas do rio é uma bardasca!
— Canté! Nas rasgatas de num passado (ano passado) foi à pincha e ganhou o primeiro prémio. Inté os fidalgotes lhe catrapiscavam os olhos c’mós namurados. E olha qu’ela não dizia que não!
— Poi xim; mas ela não acardita nesses pardalões que nu vesam chêta e que a criam p’ra...
— Ai! Caredo! ... Mais balia a morte que tal sorte. Ó menos c’o Zé B’china nu há selistro; trabalha muito e é um poipadão. E p’ra cantar ó devino ou na ingreja tem falas como um canairo.
— É certo. E a cantar o “sacerdote” antes do sôr padre ir pr’ó altar! A fala dela parece um orgu.
— Que raça! Aqui pr’à gente: o sôr pai e a sâr mãe ‘stão como três num sapato coa quechopa.
— Nam qu’ela é um inzemplo de lindeza. Ali a Filha do Toino Maluco num tem charavelha nenhuma.
— Essa parece um cadable a andar. Não tem lastro nem tri-ló-lé nenhum.
— E onte, a mazona, apanhou uma ralhada da mãe que a pôs à curta. Até me faz desperar tanta ruindade.
— Prontos. Deixemos o barco inté amanhê, c’a mãe ´stá à ‘spera.”
E por aqui ficamos que decerto também estão à espera que terminemos. Não sem antes, porém, deixarmos aqui o desafio ao Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré e a quantos se interessam por estas coisas do nosso passado, afinal tão rico, para que o façam reviver através de estudos que nos permitam quadros para mostrar às actuais gerações da nossa terra e não só. Portugal inteiro (e por que não dizê-lo?) e a civilização de que somos parte integrante também têm o direito de conhecer o nosso riquíssimo passado etnográfico. E dizemos riquíssimo porque foi mesclado por culturas populares diversas que lhe emprestaram um sabor distinto que urge divulgar com coragem e tenacidade.
E aqui cabe bem uma palavra muito especial aos inúmeros licenciados em Português da nossa terra, no sentido de se debruçarem com entusiasmo sobre esta ciência da descoberta do passado de um povo, tornando visível às gentes de hoje os alicerces da maneira de ser, estar e falar dos gafanhões, vivam eles em qualquer das Gafanhas, mas perfeitamente identificados por um passado comum.
No meio da vida, quantas vezes sem sentido, de tantas pessoas, adultas e jovens, todos aqui temos um manancial de temas escondidos em arcas e sótãos, mas também na memória de muitos dos nossos avós, para escoldrinharmos e trazermos à luz do dia, que o mesmo é dizer, à cultura dos tempos de hoje, que são os nossos tempos. E porque o futuro se constrói com exemplos e achegas do passado e do presente, resta-nos esperar que, deste colóquio, saiam entusiasmos por esta riqueza que é pertença dos presentes, se não for esquecida, mas que queremos constituam o orgulho dos que vierem depois de nós. É por isso que aqui estamos.
FIM
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XV Festival, realizado em 10 de Julho de 1999.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

As mulheres da Gafanha (parte IV)

Diz Maria Lamas, entre outras considerações, que desempenhava o seu cargo “com firmeza” e que se distinguia das suas subordinadas pelo aspecto, “porque se veste e penteia de maneira mais apurada”. No entanto, “conserva o ar desembaraçado e decidido que caracteriza as mulheres do povo daquela região”. E adianta: “O que interessa especialmente neste caso é o facto de ela ter conseguido, pelas suas qualidades de trabalho e disciplina, ascender ao lugar de encarregada, com enormes responsabilidades, numa empresa importante.” Noutra passagem do livro, canta um hino a estas mulheres, cujas histórias decerto muito a sensibilizaram, hino esse que aqui transcrevemos: “Mulheres da Gafanha, à hora em que vão levar o almoço aos homens que trabalham nos estaleiros. A vida duríssima que levam, naquelas terras que outrora foram dunas batidas rijamente pelo mar e que são hoje solo fertilíssimo devido ao seu labor constante, marca-lhes as feições e dá-lhes um todo viril, decidido, forte. Nenhuma tarefa as faz recuar. São, quase todas, mulheres de pescadores de bacalhau ou de operários, e elas próprias trabalham no que se lhes proporciona, quando não é preciso sachar o milho ou colher a batata, muito abundante ali. A sua existência passa-se em permanentes fadigas e sobressaltos. Usam uma linguagem desabrida, que chega a ser chocante, porque se habituaram a encarar a vida e as pessoas de forma hostil, à força de lutar e sofrer de muitos modos. Tudo se resume, porém, a um desabafo, tão natural, para elas, como respirar, rir ou falar. Bravas mulheres, as da Gafanha! No fundo, todas as mulheres do povo se parecem umas com as outras, vivam onde viverem. Pode variar o aspecto exterior, mas a sua natureza é a mesma. Mais ou menos rudes, conforme o seu nível de vida, todas são irmãs na luta, na resistência ao trabalho e ao sofrimento, no heroísmo obscuro com que suportam o peso de uma existência sujeita às suas inclemências. Instintivas e directas, na sua maneira de encarar as realidades, não podem ser julgadas apenas pelo que fazem e dizem. A força que as impele tem raízes fundas, na terra e na própria vida.” Mais adiante, tece algumas considerações sobre as raparigas da Gafanha, sublinhando: “Estas jovens do povo parece que se vão distanciando, no trajar e nos gostos, das suas mães. Trabalham na terra, quando a faina da seca termina, mas quando vão à cidade apresentam-se vestidas como se lá vivessem. Gostam de ir ao cinema, se têm ocasião para isso; discutem o ‘que se usa’; são raras, porém, as que mostram interesse pela leitura. Casam, quase sempre, com operários dos estaleiros ou pescadores de bacalhau. Depois de casadas perdem muito da sua vivacidade e até o gosto na sua pessoa – a não ser uma ou outra de personalidade mais definida. A pouco e pouco vão seguindo o caminho das outras mulheres que, antes delas, foram novas, engraçadas e um tanto rebeldes contra o pensar das mães. Insensivelmente, adaptam-se à vida sacrificada, em que tudo é trabalho, sobressaltos e luta pelo pão. Mesmo quando conseguem certo desafogo económico, o espírito mantém-se-lhes embotado e alheio ao progresso do Mundo, fora dos seus interesses pessoais e imediatos.”
Fim
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XX Festival, realizado em 10 de Julho de 2004.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Federação do Folclore Português reune em Assembleia

Os coordenadores dos Conselhos Técnicos Regionais da Federação do Folclore Português foram chamados a reunir em assembleia que decorreu nos dias 7 e 8 de Novembro, no Centro Social Paroquial de Recardães (Águeda), numa organização do Conselho Técnico Nacional da Federação do Folclore Português. Agilizar estratégias com vista a disciplinar o movimento folclórico inserido no seio da Federação foi o propósito da reunião que juntou cerca de 70 conselheiros. Preparar a redacção do guião de trabalho e afinar pontos de vista e de acção, foi o propósito da reunião, pautada pelo espírito da melhor cooperação.
Antes, Fernando Ferreira, presidente da Federação, procedeu à entrega de diplomas a novos conselheiros, eleitos para reforçar alguns núcleos regionais (zonas Vareira, Estremadura Centro-Saloia e Templários) ou preencher outros que estavam sem conselheiros, como foi o caso do núcleo do Alto Minho.
Antes da ordem de trabalhos, Fernando Ferreira salientou uma vez mais o objectivo da acção que vai seguir-se de imediato e que passa por uma tentativa de “melhorar a imagem dos grupos federados” e apelou ao “melhor relacionamento com os responsáveis dos grupos”, recomendando a “uma análise prudente e cautelosa” dos pormenores em avaliação. O dirigente anunciou que irá ser criado um suporte informático por forma a que todos os elementos se preservem e se encontrem de fácil consulta. Oportunidade ainda para lamentar a inactividade de alguns Conselhos Técnicos, que não estão a corresponder às expectativas criadas. “alguns conselheiros coordenadores nem sequer respondem às solicitações da Federação; podemos entender que não trabalham ou optam pelo silêncio, o que é desencorajador”, queixou-se o presidente, lembrando que aos “conselheiros que não trabalham será melhor não os ter. A estrutura de Federação assenta nos Conselhos Técnicos e se não há trabalho nem cooperação, melhor será abandonarem”, aconselhou.
Antes do arranque dos trabalhos, Fernando Ferreira desejou que o encontro de conselheiros se traduza “numa acção bastante interactiva e muito discutida, mesmo que as opiniões sejam divergentes. Que cada um saia daqui o mais esclarecido possível”.
O conjunto dos conselheiros foi subdividido por regiões etnográficas e instalados em salas diferentes, para melhor discutirem e aprofundarem os diversos pontos do guião do plano de trabalho e que terá depois uma redacção uniformizada de acordo com as sugestões apresentadas. Cada grupo foi liderado por um dirigente da Federação.
“Harmonizar procedimentos e reunir pontos de vista para um cruzamento de ideias e opiniões por forma que todos possamos falar a uma só voz”, relembrou o Eng.º Manuel Farias, mentor do projecto do Guião do Plano de Melhoria. A acção junto dos grupos vai seguir-se de imediato.
(Continua)
Na foto pode observar-se a presença do Director Técnico do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, Acácio Nunes, conselheiro técnico da Federação do Folclore Português.
Texto retirado do Jornal de Folclore nº166, de Dezembro de 2009, assinado por Manuel João Barbosa.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Jantar de Natal 2009











sábado, 12 de dezembro de 2009

Boas Festas e Feliz Ano Novo

A Direcção do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré deseja a todos os seus associados e amigos e respectivas famílias um Santo Natal e um Próspero Ano de 2013.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Vida e costumes dos pescadores (parte III)

O Palheiro, habitação característica do pescador que ainda predomina na região da beira-mar, é construído exclusivamente de tábuas de "pinheiro" e, à guisa das habitações lacustres, assente sobre grossa estacaria enterrada na areia, apoiada em lastro de pedra e circundada de sal para evitar-lhe o apodrecimento. Deixa assim passagem livre às águas, quando o alcançam e, por outro lado, impede que o palheiro fique soterrado naquele terreno movediço.

O tipo de construção varia ente 3 a 8 metros de frente por 4 a 6 de fundo; a altura regula por 3 ou 5 metros que correspondem, respectivamente, a um ou dois pisos, com cobertura de telha vã.

Interiormente, um ou dois compartimentos servidos por uma só porta e uma ou outra janela de reduzidas dimensões.

Estes palheiros, que chegam a formar espaçosos arruamentos, na sua maioria, são propriedade dos pescadores, alguns há que possuem outros de melhor condição que alugam a banhistas na época própria. Os que não têm palheiro próprio, tomam-no de aluguer para o período da safra; terminado esse período, todos os pescadores geralmente regressam à sua habitação no interior das povoações a que pertencem.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A pesca à linha (II)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Natal de antigamente

"Quando era menina
não havia Pai Natal nem Árvore de Natal.
Armava-se o presépio com chão de musgo
rochas de cortiça virgem ervas a valer
pedrinhas de verdade
e searinhas que se semeavam em pires e latas vazias
no dia 8 de Dezembro
e eram o pequeno milagre o primeiro
a despontar dos grãos de trigo e a crescer todos os dias.
As criaturas do presépio eram de compra
mas também moldei algumas em barro fresco.
Uma vez uma das minhas tias fez casas e igreijinhas de papel
e acendemos velas lá dentro.
Foi um deslumbramento a luz a sair pelas janelinhas!
Mas ardeu tudo de repente.
Desde então só a lamparina de azeite continuou a alumiar
esse parco mundo pobre.
No meu Natal de antigamente havia menos presentes.
Os meninos não exigiam esses brinquedos extrabíblicos:
computadores, jogos de computadores, cêdêroms, sei lá.
Nem o Menino Jesus podia com tanto peso!
Sim, porque no meu Natal de antigamente era o Menino Jesus
quem dava as prendas.
Púnhamos, na véspera, o sapatinho na chaminé
mas tínhamos que ir para a cama esperar pela manhã
porque Ele só descia pela calada da noite
se ninguém estivesse à espreita
(hoje o Pai Natal não tem esses pudores).
Eu imaginava-o a saltar das palhinhas
nuzinho em pêlo
e a Nossa Senhora a agasalhá-Lo logo com a sua capa.
E lá ia Ele
como um menino pobre enrolado no casaco do pai
a contentar todas as crianças do mundo.
O Pai Natal, esse, foi encarregado (não sei por quem)
de dar presentes a pequenos e grandes.
Com o Menino Jesus tudo ficava entre meninos.
E se a prenda não agradava
a gente fazia-lhe uma careta
e até, à socapa, chamava-lhe um nome feio.
O Pai Natal é um palhaço cheio de postiços:
barba bigode cabeleira
até a barriga é uma almofadinha.
E vai à televisão convencer-nos a comprar coisas.
Agora o Natal antecipa o Carnaval.
O Menino Jesus, esse não! nunca ia à televisão
(que para dizer a verdade não existia ainda.)
Mas que menino de hoje trocaria o seu Pai Natal
(gerente de um supermercado de prendas)
pelo meu Menino Jesus
a tiritar nas palhas?
"Teresa Rita Lopes, Afectos,
Lisboa, Editorial Presença, 2000

O linguajar dos gafanhões (parte IV)

Diz o Padre Resende, na sua célebre e ainda utilíssima Monografia da Gafanha, que “Dos povos da Gafanha diremos que o seu primitivo estado de primários, numa região separada do convívio dos povos mais adiantados, manteve-os por muito tempo numa rudez bastante confrangedora. Quase se podia dizer que mal sabiam falar. Com o tempo e com as vias de comunicação, foram-se polindo, civilizando, começando-se a operar uma grande transformação no seu rude e bárbaro vocabulário, quer na sua forma morfológica, quer na sua parte fonética”. E destaca, como exemplo, algumas palavras e expressões, de que respigamos as que mais lembramos:
Xintro — Jacinto
Balisome — Lobisomem
Manel — Manuel
Sóte — Sótão
Atóino — António
Maçazeira — Macieira
Stâmago — Estômago
P’dibe — Pevide
Azête — Azeite
Capador — Alveitar
Pruga — Purga
Lambisgóia e delambida — Atrevida
Alfanete — Alfinete
Curesma — Quaresma
Arbela — Alvéola
Puchi-na — Puxei-a
Arribar — Subir
Fostas — Fostes
Vais à festa? — Resposta: ai não! (= vou)
Ó Maria, vais à fonte?— Resposta: Poi xim! (=não vou)
Maria vai arrumar-se = Maria vai casar-se
Bou marcar palhitos = vou comprar fósforos
Anda a comprar = Está grávida
Tem os pés inchados = Está embriagado
Tens a língua grande = falas de mais
É preciso falar com relego e dar um pontinho na língua = Falar só o preciso.”
De realçar que os gafanhões não pronunciavam, como ainda não pronunciam, o v. Toda a palavra que tenha v se pronuncia com b. Daí, por exemplo, “Bou a Abeiro ou a Ílhabo comprar uma baca e benho logo para casa que a bida espera por mim”.
E muitas outras palavras e expressões poderíamos continuar a citar, acrescentando-lhes mais algumas que a nossa memória retém com alguma fidelidade. Mas hoje ficamos por aqui, que se faz tarde, como diriam os nossos avós.
Antes, porém, de terminar, é justo recriar um ou outro quadro, para exemplificação:
Estou a ver os homens baixos e magros de camiseta e de ceroulas compridas, de flanela, estas com atilhos amarrados nas canelas, barba por fazer (só se fazia aos sábados, no barbeiro), boné ou chapéu na cabeça, mãos gretadas pelo trabalho duro, descalços, rosto envelhecido, queimado pelo vento e pelo sol impiedosos, força de vontade férrea, poupados, com gosto pelo trabalho e pela solidariedade tantas vezes manifestada, religiosos sem beatices, amigos dos seus amigos. As mulheres baixas e de pernas grossas, sem cintura e sem pescoço, olhos ingénuos, de chapéu de palha na cabeça por cima de um lenço que amarrava sobre o chapéu, roupas escuras, excepto ao domingo, em que se abusava da cor garrida, sobretudo as das secas do bacalhau, pernas com canudos (meias sem pés) enfiados para o sol não as queimar, que era fino tê-las brancas, descalças, mãos gastas pelo trabalhos, tranças na cabeça, porque permanentes eram para as da cidade, religiosas sem exageros, amantes do trabalho e poupadas, solidárias e amigas das suas amigas.
Mas a maneira de falar, um tanto ou quanto cantada, com alguma malícia pelo meio, entre risadas contagiantes, é que me encantava.
Levemos a nossa memória até lá atrás e ouçamos a Ti Maria e o Ti Atóino. Vinha ela desaustinada (sem tino) porque a canalha lhe estragara as batatas ali ao pé da escola da Tia Zefa. Estava arrenegada (zangada).
O ti Atóino vinha da borda, onde andara ao moliço para o aido. Antes da maré, porém, deitara-se a descansar, com o corpo moído, na proa da bateira que ia à rola (à deriva). Sem saber como, e com uma nassa, apanhou uns peixitos para a ceia (o jantar de hoje). Já não era mau. Naquele dia não comeriam caldo de feijão com toucinho, com um bocado de boroa. Sempre seria melhor.
— Então queras (queres) ver, Atóino, o que a canalha (os garotos) da escola fez? Andou por riba (cima) das batatas a achar (à procura de) a bola e ‘stragaram-me tudo. Tamém (também) andaram à carreira (a correr velozmente) atrás uns dos oitros (outros) a amandar (mandar, atirar) pedras e a acaçar ( caçar, ao agarra). Se andassem com relego (com moderação), ainda vá que não vá. Mas não. Andavam a toda a brida ( à desfilada, a toda a força), como que a atiçar (meter-se) comigo. E se calhar a professora estava abuzacada (refastelada) na sala. Isto está mal, não achas?
— Pois é verdade, Ti Maria. Não são coisas que se façam. Anda um home (homem) a gastar dinheiro em batatas e buano (guano), muitas vezes sem se astrever ( atrever, poder) e estes mariolas (marotos), num’stante (instante) deixam tudo ‘struído. Era só a gente atirar-lhe com um balde de auga (água), para eles aprenderem. São a mode (como que) tolinhos e alonsas (parvos). Mariolas! (marotos). Vossemecê já falou com a professora? Se ainda não, vá lá e diga-lhe que ó despois (depois) não se arresponsabiliza (responsabiliza). São uns desalservados (cabeças no ar), uns desintoados (desentoados, disparatados).
— Tens razão, Atóino. Vou lá num‘stante (instante), antes que seja tarde. Amanhê (amanhã) tamém (também) falo com os pais. Sempre são homes (homens) e melheres (mulheres) pra (para) darem uns estrincões (apertões com os dedos em zonas sensíveis) aos miúdos, pra (para) eles aprenderem. Opois (depois) que não se queixem.
(Continua)
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XV Festival, realizado em 10 de Julho de 1999.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As mulheres da Gafanha (parte III)

Também, de uma forma geral, todas aproveitam algumas horas que lhes fiquem livres para ajudar na modesta faina agrícola da família, seja regar o milho, ir ao mato e à lenha ou tratar dos animais. “A sua vantagem não está no aligeiramento das tarefas, mas sim na mudança do ambiente, na variedade dos assuntos que lhes prendem a atenção e no convívio com as companheiras.” Assim – sublinha Maria Lamas –, as mulheres das secas do bacalhau são “desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, que um amplificador de som leva a todos os recantos das instalações onde trabalham [EPA – Empresa de Pesca de Aveiro], elas constituem um quadro pleno de vitalidade e optimismo”. Refere, depois, o que é o trabalho árduo destas mulheres, desde descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, para depois, mais tarde, empilhar, seleccionar e enfardar. Diz que elas andavam muitas vezes descalças, “apesar do perigo constante de se ferirem, com as espinhas e barbatanas que se encontram espalhadas pelo chão”. E acrescenta que uma ou outra consegue arranjar botas de borracha, “presente do irmão ou noivo que foi aos bancos da Terra Nova”, sublinhando que estas “são consideradas, pelas colegas, como privilegiadas”. “Há ainda aquelas que improvisam uma espécie de sandálias de madeira, amarrando uma ‘sola’ ao pé, com farrapos. São também raras excepções. A regra comum é o pé descalço, porque nenhum calçado duraria tempo que valesse a pena, além de que, não sendo impermeável, nem sequer evitaria que os pés estivessem sempre molhados”, pode ler-se no texto que estamos a seguir e do qual transcrevemos as partes mais significativas, na nossa óptica. Depois frisa os canos, que mais não eram do que “meias sem pés”, os baixos salários, “doze a quinze escudos diários”, e apresenta a mulher que as dirige, a Senhora Júlia, que os gafanhões mais antigos bem recordam.
(Continua)
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XX Festival, realizado em 10 de Julho de 2004.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Jantar de Natal

No próximo sábado, dia 12 de Dezembro, pelas 20 horas, num restaurante da nossa cidade, irá realizar-se o tradicional jantar de Natal do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré. Aos membros do direcção do grupo, cantadores, músicos, dançarinos e dançarinas juntam-se outros sócios e amigos para celebrar a época natalícia e comemorar mais um ano de muita actividade. Teremos também a presença dos nossos autarcas que tanto apoio nos têm dado e com os quais estabelecemos uma parceria que tantos e tão bons frutos tem dado, em prol da cultura do Concelho de Ílhavo.

As salinas da Ria de Aveiro

Exposição de fotografias sobre as salinas de Aveiro, na sequência de um trabalho para o Jornal de Noticias. Imagens de Jaimanuel Freire.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Vida e costumes dos pescadores (parte II)

São considerados "extraordinários", para o efeito de remuneração suplementar, quanto aos pescadores, os serviços de Caneiro ou Revezeiro e Metedor, e em relação aos auxiliares, os serviços de encascar e alcatroar a rede; vigiá-la de noite; colher as calas, acarretar madeira e chamar o pessoal. Este último serviço é realizado, umas vezes, por meio de som repetido e prolongado de um "búzio"; noutras, especialmente de dia, servem-se do pendão, grande cilindro de rede, alcatroada, de irregulares dimensões, que arvoram num mastro localizado próximo do palheiro da respectiva companha. Para chamar o gado, usam também, içar um segundo pendão. Estes processos quando se verificam, dispensam, necessariamente, o serviço directo dos chamadores.
Cada uma destas companhas possui, geralmente, uma embarcação e um palheiro com os aparelhos e utensílios indispensáveis ao exercício da sua indústria, conquanto algumas , por melhoria de posição económica, disponham efectivamente de mais embarcações e correspondente aparelhagem.
De uma maneira geral a alimentação do pescador não tem horário regular e resume-se a broa de milho, caldo de unto ou de legumes, sardinha e vinho; a sua condição raras vezes lhe permite excepções. A mulher, em regra, é quem administra o casal, mas ajuda também trabalhando na salga da sardinha, na venda do peixe fresco e, algumas vezes, no conserto de redes.
A "Casa dos Pescadores", recentemente criada por decreto-lei, veio trazer à sua vida árdua e arriscada um princípio de bem merecida protecção e assistência, na medida do possível em que concorre para o conforto dessa pobre gente de alma admirável que Raúl Brandão, melhor do que ninguém, -que eu saiba, -tão justamente soube apreciar.
Não há muito o confirmou também o ilustre Governador Civil do Distrito de Aveiro Sr. Dr. Almeida Azevedo, acrescentando não constar dos anais da criminalidade nos últimos 50 anos, qualquer delito por eles cometido.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A pesca à linha (I)

O linguajar dos gafanhões (parte III)

O seu linguajar é, portanto, filho de todas essas circunstâncias e resulta, vezes sem conta, da corruptela de vocábulos e expressões ouvidas das pessoas com quem contactavam, sem acesso a literatura ou a meios de comunicação social, embora na região já houvesse jornais e em algumas casas, muito poucas, um ou outro aparelho de rádio. Estamos a recordar as cerimónias de Fátima, sobretudo no dia 13 de Maio, participadas em casa de um abastado lavrador. Todos sentado no chão da sala, lá íamos ouvindo a transmissão com o dono do aparelho a acertar de quando em vez a sintonia. Era o que havia na nossa já distante meninice, que recordamos com imensa saudade pelo bucolismo que a envolvia.
Também não podemos esquecer os gafanhões que, nos finais do século XIX e princípios do século XX, aprendiam a ler pouco mais que o “b à bá” em casa de mestres populares, alguns dos quais deixaram marcas que o tempo não apagou. À hora da sesta, no Verão, ou ao serão, no Inverno, os mais atrevidos pelas coisas do saber e da cultura lá sacrificavam horas de descanso, no meio ou ao fim de um dia de trabalho duro, para aprenderem as primeiras letras na Cartilha Maternal de João de Deus, ou letras grossas que vinham da arte natural dos senhores mestres, os “sábios” da aldeia que liam e interpretavam, para quem necessitasse ou os quisesse ouvir, os editais afixados às portas das igrejas ou as notificações dos Tribunais, das Finanças ou militares. E era esta leitura periclitante, aprendida em tempos de lazer, embora poucos e nem sempre frequentes, que facilitava, a alguns, a interpretação de livros de devoção popular, os romances célebres, para raros leitores, de certos clássicos, sem esquecer a literatura de cordel, carregada de dramas passionais e de aberrações da natureza, que era vendida de feira em feira ou de romaria em romaria, por cantadores e cantadeiras que sabiam pôr angústia contagiante em tudo o cantavam. E a propósito, como seria interessante fazer um levantamento dessa literatura de cantar e de ler, e que passava de boca em boca, que os nossos avós tanto apreciavam e que deve andar perdida por alguma arca já carcomida pelo caruncho. Também nos alfarrabistas dos grandes centros ela deve ser procurada, ou, ainda, na memória dos nossos velhinhos mais dados a reterem as coisas do passado, como que a quererem ficar perpetuamente agarrados à sua meninice e juventude.
(Continua)
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XV Festival, realizado em 10 de Julho de 1999.

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