segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ranchos Folclóricos – III

Grupo Etnográfico no Congresso de Folclore em Espinho
Garrett é pioneiro no estudo da literatura popular, romântico que era e, como todos os românticos, interessado em conhecer a especificidade de cada povo, objectivo que se coadunava com o espírito nacionalista, objectivo ainda que era contrário ao domínio clássico-absolutista da cultura erudita. E foi Adolfo Coelho que fez entrar nos estudos portugueses as palavras folclore (1875) e etnografia (1889). No fim do século passado havia entre nós muitos etnógrafos e folcloristas de que cumpre destacar leite de Vasconcelos e Teófilo Braga, além de Adolfo Coelho, todos republicanos como os outros principais estudiosos da matéria, o que se entende num plano de simpatia e de herança dos ideais românticos.
Quando Salazar chegou ao poder, a etnologia perdeu algum ânimo, mas o Estado Novo lobrigou a importância dos grupos folclóricos, aliás por imitação do que se passava em outros países. O folclore era visto como um meio de propaganda política, pela concentração de artistas populares, criando-se logo em 1933 o Secretariado da Propaganda Nacional, depois SNI (Secretariado Nacional de Informação). Fundam-se numerosos ranchos (tendencialmente chamados regionais), mas também começa a desvirtuação cultural: a espectacularidade afecta frequentemente a verdade, uniformizando-se trajes, refinando-se, com fins estéticos, a dança e o canto, recorrendo-se mesmo a instrumentos musicais estranhos. Entretanto, a etnologia e a etnografia revigoram-se, multiplicam-se as colecções de cantares. A denominação de grupo folclórico aparece cerca de 1950; dantes, o termo usado era o de rancho, tal como agora há quem prefira o qualificativo de etnográfico para rancho ou grupo.
Recentemente, são muitos os estudiosos e responsáveis pelo nosso folclore que se insurgem contra os abusos neste domínio, apelando para a genuinidade cultural. Na verdade, o canto e a dança folclóricos desprestigiaram-se em muitos lugares e os investigadores começaram a mostrar-se cépticos, preferindo esquecê-los em troca da pesquisa directa. Urge restabelecer a autenticidade onde ela não existe, banindo estilizações e efeitos pomposos. Ainda vamos a tempo. E isso é necessário, quando sabemos que novos esquemas económicos e sociais põem em risco a nossa identidade.
Artigo do Jornal “Publico” de 20 de Novembro de 1994, da autoria de António Cabral.

Boas leituras
Rubem da Rocha

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