quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A pesca do bacalhau nos mares da Gronelândia (parte II)

No dia 15, porém, pelas sete horas da manhã, passou à fala um vapor inglês, cujo comandante, depois de haver mandado parar as máquinas, forneceu algumas informações, muito úteis, a respeito dos mares da Gronelândia e sobre as condições de pesca nos seus bancos, chegando mesmo a oferecer algumas cartas daquela região.
Os tripulantes do «Santa Joana», até aí tão receosos e cépticos, sentem que uma grande alegria lhes invade os corações.
Mas, pela tarde desse mesmo dia, são avistadas quatro enormes ilhas de gelo, que, novamente, a todos causam grandes preocupações.
No entanto, a viagem prossegue, com a máxima cautela, sempre com vigias atentos, a perscrutar o horizonte, para que o navio se possa desviar de qualquer icebergue ou se não enfie para dentro de alguma zona gelada e, no dia seguinte, pelas 10 horas, segundo reza o «Diário» avista-se terra – a ilha da Gronelândia – toda coberta de gelo.
«Pelas 18 horas, sondámos em trinta braças, continuando a navegar, com tempo muito bom e claro. Navegámos com tempo bonançoso e terra à vista, ao rumo NE 4N, até que, pelas três horas, como houvesse calma e muito bacalhau à borda, ancorámos na posição Lat. 63.40 N e Long. 53.00 W – Banco Fillas – com 50 braças de arame e 30 de corrente».
O «Santa Joana» manteve-se neste «BANCO» cerca de 21 dias, sempre com bom tempo e fazendo pescas abundantes.
Durante este período, a tripulação admirou-se bastante, não apenas com o facto de ser sempre de dia, chegando mesmo a ver-se Sol à meia noite, nos fins de Julho, mas também com os lindíssimos e variados aspectos que lhe oferecia a enorme quantidade de gelo, que, em grandes blocos, se estendia junto à costa e ainda com a extraordinária porção de aves marinhas – cagarras, painhos e pombaletes – cujos enormes bandos, ora pareciam nuvens do céu, ora cobriam o mar, onde se deixavam apanhar com facilidade. Também lhe causou certo espanto o extraordinário número de barcos a motor – palhabotes de dois e três mastros – pertencentes a países nórdicos e ainda os muitos e grandes veleiros franceses – Iugres e patachos pescando ao troley, que sulcavam aqueles mares, tão calmos, frios e brilhantes.
O Capitão dum desses «Trolers» deu a informação de que não havia ventos contra a praia, pois que os rumos predominantes eram o sudoeste e o nordeste.
Nestas circunstâncias, pôde o «Santa Joana» aproximar-se da costa, que era muito feia, alta e escarpada, e pescar aí grandes quantidades de bacalhau.
Foi nesta altura que muitos esquimós, ainda jovens, e vestidos com os seus trajes característicos, visitaram o navio, trocando peles de foca, de arminho, de urso e de raposa branca por café, chá e aguardente.
Estes jovens – rapazes e raparigas – que, com muita arte e ligeireza, se dedicavam também à faina da pesca, eram tripulantes dumas pequenas lanchas que, todos os dias, saíam dos estreitos e perigosos portos da Gronelândia.
Apesar de tudo, no dia 5 de Agosto, como o peixe começasse a escassear, resolveu o Capitão procurar outro pesqueiro, mais ao norte, onde, em menos tempo, pudesse completar o carregamento.
«Aos seis dias do mês de Agosto de mil novecentos e trinta e um, pelas seis horas, começámos a suspender a amarra e, pelas sete horas, fizemo-nos à vela, com todo o pano largo, ao rumo NNE com vento SW e tempo de chuva e nevoeiro.
No dia 7 pelas três horas, ancorou o navio no banco «Lille Helefisk» na seguinte posição: lat. 65.00 N e long. 53.00 W».
Arriados os dóris, em pouco tempo estes regressaram ao lugre, completamente carregados e, num abrir e fechar de olhos, todo o convés ficou inundado de peixe.
Sob o vigilante e atento olhar do capitão, começa, imediatamente, o árduo e exaustivo trabalho da escala e da salga, que se prolonga por muitas horas.
O esforço que os homens despendem não tem limites, mas a disposição é boa, porque compreendem que uma nova era de prosperidade se vai abrir para a arrojada e, até ali, tão desprotegida classe dos pescadores bacalhoeiros.
E a campanha prolonga-se até ao dia seis de Setembro, sempre com os mesmos perigos, os mesmos trabalhos, as mesmas saudades.
Todavia, no dia seguinte, quando todas as panas estão atolhadas e no porão não cabe mais nada; quando já não há outro sítio onde salgar bacalhau; quando o convés está debaixo de água e o navio não tem posse para mais carga, o Capitão, depois de tudo bem acautelado – as escotilhas devidamente cobertas e pregadas e os botes piados com segurança – manda içar, bem a tope, no mastro da mesena, a bandeira nacional e escreve no «Diário de Bordo»:
«Aos sete dias do mês de Setembro de mil novecentos e trinta e um, estando o lugre português «Santa Joana» ancorado no banco Lille Hellefisk, por ter completado o seu carregamento de bacalhau, foi dada por finda a campanha de pesca».
Pelas seis horas o Capitão mandou virar a amarra, para seguir viagem para Portugal, com destino a Aveiro.
Pelas sete horas fizemo-nos de vela, com todo o pano largo, ao rumo SE4 1/2 S.
«Deus nos leve a salvamento.»
Quando, nos princípios de Outubro, os quatro lugres, que pescaram nos bancos da Gronelândia, chegaram a Portugal e demandaram os seus portos de armamento, houve grande alvoroço e muito regozijo entre as classes ligadas às actividades piscatórias.
É que, de todos os veleiros que, nesse ano de 1931, foram à pesca do bacalhau, apenas aqueles quatro – três deles pertencentes à Empresa de Pesca de Aveiro e o outro à empresa de Pesca de Viana do Castelo, conseguiram carregamentos completos.
Em face destes resultados tão auspiciosos, imediatamente os restantes armadores resolveram mandar preparar os seus navios, para que a próxima campanha fosse exercida nos mares frios de Gronelândia.
Daí em diante, os carregamentos foram sempre mais ou menos compensadores, o que fez com que esta indústria – agora também orientada e grandemente auxiliada pelo Grémio dos Armadores – se tornasse maior, mais rica e mais progressiva.
É bom pois, que não sejam esquecidos aqueles quatro arrojados capitães e suas destemidas tripulações, bem como os armadores dos referidos navios, particularmente o Gerente da Empresa de Pesca de Aveiro, senhor Egas da Silva Salgueiro que, com a sua grande visão e iniciativa, muito contribuiu para o incremento e prosperidade da Indústria Bacalhoeira.
A pesca do Bacalhau nos mares da Gronelândia
Pelo Dr. Amadeu Eurípedes Cachim, Director da Escola Comercial e Industrial de Aveiro
Amadeu Eurípedes Cachim - In:"AVEIRO E O SEU DISTRITO", nº 4, 1967, pp.29-34

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