sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Os róis de gado

Em tempos de antanho as famílias gafanhoas viviam quase exclusivamente da agricultura de subsistência. O que produziam era para sustento próprio e o pouco que restava, que as terras esbranquiçadas produziam avaramente, é que vendiam por Aveiro e Ílhavo. O gado, vacas, bois e porcos, era vendido a negociantes que apareciam nas feiras da região. Os animais de capoeira eram vendidos a galinheiras que apareciam com regularidade. E não havia seguros, em caso de mortandade. Para o gado graúdo, esse sim, havia uns seguros caseiros que se estendiam por vezes a todas as Gafanhas. Eram os róis de gado, normalmente de vacas, bois e porcos. Os róis tinham a sua direcção da qual faziam parte os "louvados", homens entendidos na avaliação dos animais. Nunca conhecemos nenhuma mulher nessas tarefas, talvez por elas serem mais dadas aos trabalhos de casa.
Quando um lavrador comprava um animal registava-o no rol, sendo na altura avaliado, para o proprietário ser recompensado, no caso de morte por doença ou por invalidez causada por acidente. Um corno partido, por exemplo, o que o impedia de puxar o carro ou o engenho de tirar água do poço, para rega.
Não havia quotas à partida, mas sim uma jóia, que ia constituir um fundo de maneio para pagar a qualquer veterinário, que não passava de um entendido em doenças de animais e que trabalhava por avença: no fim do ano recolhia uns tantos alqueires de milho, feijão ou outros produtos que a terra dava; raramente recebia dinheiro, a não ser se isso fosse combinado com o rol ou com os lavradores.
Quando algum animal adoecesse ou ficasse inválido gravemente, sem cura aparente ou garantida, era avaliado e abatido, sendo a sua carne distribuída pelos associados. Em casa do proprietário, sem qualquer higiene, no telheiro, faziam-se montículos de carne, tantos quantos os associados, para serem entregues aos interessados. Claro que nem todos recebiam a mesma quantidade de carne, mas sim tantos montículos quantas as cabeças de gado inscritas no rol.
Posteriormente, uns membros da direcção percorriam as Gafanhas a fazer a cobrança da parte que cada proprietário tinha de pagar, para assim ser compensado o que havia perdido o animal, e dessa forma se livrava de um prejuízo nada agradável para quem não tinha dinheiro em abundância.
De referir que os róis não passavam de associações mútuas sem personalidade jurídica, cujas regras eram aceites verbalmente. De alguns soubemos que tinham uma espécie de estatutos, mas isso não era a norma. De uma maneira ou de outra, todos respeitavam o que estava acordado, mesmo oralmente, aceitavam os pareceres dos "louvados", pagavam o que lhes competia e registavam o seu gado logo que o adquiriam, para não haver complicações.
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XVI Festival, realizado em 8 de Julho de 2000.

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