sábado, 9 de janeiro de 2010

Cortejo dos Reis

Agora que a quadra natalícia termina e na nossa terra vamos celebrar os reis, vamos transcrever um pequeno texto da autoria do Sr. Professor Fernando Martins, intitulado Cortejo dos Reis – Subsídios para a sua história, publicado na brochura “Cortejo dos Reis – Um Apontamento Histórico”, da paroquia da Gafanha da Nazaré em 1992.

É sabido que, por muitos recantos de Portugal, do Minho ao Algarve, a quadra natalícia tem sido e continuará a ser inspiradora de manifestações populares de espírito religiosa. São os presépios com arte, sensibilidade e amor, são os Cortejos das Pastoras e dos Reis, são as Janeiras. E todas estas manifestações se apoiam em autos, cânticos, decorações e celebrações com um misto de religioso e de profano. Dessas manifestações natalícias, a que mais se impôs e criou raízes entre nós, foi sem dúvida a do Cortejo dos Reis, cujo início se perde no tempo.

Na ânsia de fazermos um pouco de história sobre esta festa de tanto significado para a nossa comunidade, tentámos descobrir qualquer escrito que testemunhasse esses primeiros passos do Cortejo dos Reis, mas nada de concreto encontrámos. Também nada detectámos sobre o modo como os nossos antepassados celebravam o Natal, quer a nível religioso quer popular. À falta desses testemunhos escritos, só nos pudemos apoiar nas pessoas mais idosas, algumas das quais puderam assistir, na data para nós célebre de 31 de Agosto de 1910, à criação da freguesia. O que essas pessoas ainda hoje dizem, com algumas garantias, é que já os seus pais e avós celebravam o Natal um tanto ou quanto semelhantemente ao modo como hoje o celebramos, salvo as diferenças impostas pelo nosso viver hodierno. E hoje como ontem, a quadra natalícia continua a sensibilizar toda a gente, crentes ou descrentes, católicos ou não católicos, tal é a força da ternura que o Menino inspira, a humildade que comove, a esperança que renasce principalmente entre os mais desprotegidos.
Depois, o hábito tão salutar de se associar ao Natal a festa da família, em que todos se voltam para os mais pequenos, e alguns pensam nos mais pobres, o costume de todos sentirmos e vivermos mais fraternidade, ainda mais valor trouxe à quadra, por natureza de paz e amor.

Mas voltemos ao Cortejo dos Reis, a festa por excelência dos Gafanhões, tal o movimento que gera e a mobilização que provoca entre toda a população. S autos natalícios, os cânticos harmoniosos, o objectivo comum de homenagear o Menino, os grupos que se constituem, as prendas de toda a gente, tudo contribui de forma bastante significativa para uma festa diferente e geradora de fraternidade.


Os autos apresentados durante o Cortejo têm passado de geração em geração por via oral e, que saibamos, só em 1947 aparece um manuscrito que serviu de guião quase até aos nossos dias, possivelmente escrito por Manuel Caçoilo da Rocha.
Tendo desaparecido em data difícil de recordar, foi de novo reproduzido, graças à memória de alguns intervenientes. E assim se tem mantido.
Uma simples análise dos textos leva-nos a concluir que os mesmos se inserem na tradição dos Reis de algumas aldeias da região e que foram inspirados na Bíblia e no Mártir do Gólgota, obra de Peres Escrich.
Os cânticos, simples e harmoniosos, são da tradição popular portuguesa, uns, enquanto outros são tidos como originários da nossa terra e da nossa gente. Muito belos, como quase todos os cânticos de Natal de todo o mundo, estão na memória de muita gente que os canta com toda a naturalidade, Nem por isso, porém, são dispensados os ensaios a partir de meados de Dezembro. Tal como acontece, aliás com os ensaios dos autos. E já que falamos dos autos, e antes de os lermos neste livro, será bom recordar aqui como tudo se processa durante o Cortejo.
Logo de manhã, os participantes juntam-se no extremo da Gafanha da Nazaré, a caminho de Ílhavo. Aí se dá a “Aparição do Anjo” que anuncia aos pastores, estremunhados, a Boa-Nova do nascimento do Salvador. Eles tomam então a decisão de ir adorar o Menino. O cântico que entretanto se faz ouvir, dá inicio à caminhada ao encontro do Menino-Deus acabado de nascer.
No Cruzeiro dialogam dois pastores. Um anuncia ao outro o que viu no caminho. Encontrou-se com uma jovem bela prestes a dar à luz. Ia acompanhada do seu esposo e em Belém não descobriram lugar nas hospedarias. Tiveram, por isso, de se acolher numa gruta onde esperariam a hora de ela dar à luz.
Na Marinha Velha há o diálogo da “Fonte de Elias”. Um árabe considera-se muito importante, enquanto outro lhe lembra que sem Alá nada somos. Surgem, então, os pastores que lhes comunicam a aparição do anjo e o nascimento do Menino-Deus.
No cruzamento das Caçoilas, os Reis notam o desaparecimento da Estrela e reconhecem que estão numa grande cidade. Informado de que buscam um novo rei, um soldado diz que não conhece outro rei que não seja Herodes.
No final do Cortejo dá-se o encontro dos Reis Magos com Herodes, no seu palácio. Convidados por este a procurarem o Menino porque também gostaria de ir adorá-lo, os Reis não voltam ao palácio.


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