segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O linguajar dos gafanhões (parte II)

Linguajar alegre por entre cantigas da época e da tradição popular a desmantar o milho, a fabricar adobos nas dunas junto à mata e depois na construção solidária das casas modestas, na apanha do tremoço, nas novenas que boas almas organizavam para pagar promessas, nas festas e romarias da região, sempre alimentadas pelo espírito de convivência dos gafanhões. De tudo, restam na nossa memória cenas do quotidiano desta gente humilde, mas determinada, que fez as Gafanhas dos nossos dias, o orgulho dos que hoje, vindos de perto e de longe, de quase todo o Portugal, incluindo regiões autónomas e, ainda, dos actuais países de expressão oficial portuguesa, fazem parte integrante dos povos desta península da Gafanha. E todos estes, com a sua maneira de falar e de dizer o essencial do dia-a-dia, de cantar e de rir, de trabalhar e de viver, deram um pouco de si aos povos autóctones, num entrosamento muito feliz.

Mas hoje e aqui, onde nos apetecia continuar a recordar coisas de antanho que vivemos, vamos falar do linguajar destes povos, marcados, e de que maneira, pela vida agreste que as nortadas ainda mais agreste tornavam. Não se trata de uma língua propriamente dita, muito menos de um dialecto, mas única e simplesmente do modo de falar de um povo em que, ainda há meio século, predominava um grande analfabetismo. As meninas não iam obrigatoriamente à escola, e entre os rapazes muitos se esquivavam. E quando não se esquivavam, cedo perdiam o contacto com as letras, porque o trabalho, mesmo em meninos, os absorvia, quer nas tarefas agrícolas e nas marinhas de sal, quer na construção civil, na pesca e na ria. E ainda em indústrias então nascentes, tanto nas Gafanhas, como no concelho de Ílhavo e em Aveiro. A emigração também começou a marcar a nossa gente, e de que maneira, disso ficando rastos de hábitos de vida diferenciados, casas que nada têm a ver com a nossa identidade geográfica e humana, e o espírito de aventura e a determinação que perduram na juventude de hoje!
Artigo da autoria do Prof. Fernando Martins e publicado no Livro do XV Festival, realizado em 10 de Julho de 1999.

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